Sendo uma área de fronteira, menosprezada durante tanto tempo, o Ensino Profissional aparece hoje como uma solução/salvação para o aparente sucesso escolar (na verdade, e na maioria dos casos, nem esse se consegue).
Deixo aqui uma reflexão sobre o assunto. Não concordo com tudo. Esecialmente com o modelo apresentado para solucionar essa questão. Pode (e deve) haver escolas cujo objetivo seja o ensino profissional. Tem é de se recuperar esse ensino, e as profissões para que ele deve preparar, do estigma atual. Há modelos por essa europa fora, se não quisermos inventar a roda. Mas pensar num modelo mais mediterrânico também não era mau (a economia mediterrânica, para os mais distraídos, não se está a aguentar muito bem com o modelo do norte da europa... e se pensarmos bem, isso deve-se, em parte, à forma errada como temos gasto os nossos recursos - para mim, esse problema começa na escola).
Fica a reflexão de Ramiro Marques.
O ensino profissional, tal como está organizado, com os planos de estudo atuais e com o ethos que o caracteriza, seja em escolas estatais seja em escolas privadas, revela no mínimo uma assustadora falta de qualidade. Em muitos casos, é um puro desperdício de dinheiro. Os alunos fazem o que querem nas aulas: passam o tempo no Facebook e no You Tube, insultam os professores, deambulam livremente pela sala, entram e saem quando querem, recusam-se a trazer os livros e materiais para as aulas e são incapazes de cumprir ordens.
Haverá alguns cursos profissionais que funcionam bem. Esses devem ser acarinhados. Pelo que sei não são muitos. Não defendo a eliminação pura e simples de todos os cursos profissionais que funcionam nas escolas públicas. Os bons devem manter-se. Os que não têm qualidade devem ser eliminados e os recursos financeiros aplicados neles transferidos para centros de aprendizagem a funcionarem nas empresas.
Em ambientes sem ordem nem tranquilidade, os alunos não adquirem as virtudes consideradas imprescindíveis para a entrada no mercado de trabalho: pontualidade, assiduidade, respeito pela autoridade e resiliência. Ao invés, aprendem a ser erráticos, caprichosos, desobedientes, malcriados, arrogantes e indolentes.
Já nem falo na inutilidade de alguns planos de estudo. A área de Integração vale zero em termos de aprendizagem conseguida. A área de Mundo Atual, nos cursos Cef, vale igualmente zero.
As escolas, sejam públicas ou privadas, não são o local certo para fazer ensino profissional de jovens que acumulam insucesso atrás de insucesso e que não têm hábitos de trabalho nem respeitam os padrões mínimos de civilidade. Os alunos viciam-se numa cultura de direitos, centrada na gratificação imediata, e não dão valor nem à escola nem aos professores. Não são capazes de traçar a fronteira entre o lúdico e o trabalho, entre a brincadeira e o esforço. Tudo lhes é dado - pequeno-almoço, almoço, livros e transportes - sem lhes ser exigido nada em troca.
Os diretores habituaram-se à ideia de que a criação de cursos profissionais, Cef e Efa, ainda que não haja na escola equipamentos e recursos humanos adequados, é uma exigência que resulta das políticas educativas inclusivas. O objetivo é tirar os jovens da rua. Quanto mais cursos profissionais, Cef e Efa a escola tiver melhor é a pontuação obtida na avaliação externa.
Tal como hoje é feito, o ensino profissional é muito dispendioso e não tem qualidade. Vive de costas voltadas para as necessidades do mercado de trabalho. Oferece um ethos aos formandos que está nos antípodas daquilo que as empresas querem e pretendem.
As empresas querem profissionais que gostem de aprender, que saibam cumprir regras, respeitem a hierarquia, sejam pontuais, sejam assíduos e resilientes. As escolas onde os cursos profissionais são ministrados ensinam, em muitos casos, o contrário de tudo isto.
É preciso retirar progressivamente o ensino profissional das escolas e levá-lo para as empresas em contexto de "escola de aprendizes" ou "centro de aprendizagem". O papel central na gestão do currículo caberá ao "mestre do ofício", um técnico da empresa dotado de autoridade e sabedoria. Os formandos são obrigados a cumprir as normas e os horários vigentes na empresa e, enquanto adquirem as competências inerentes a um determinado ofício, recebem aulas de Língua Portuguesa, Matemática e Inglês ministradas por professores pertencentes a uma escola secundária com quem a empresa estabeleceu uma parceria.
Obviamente, as empresas só estarão dispostas a alinhar na reconstrução de um ensino profissional deste tipo se ganharem alguma coisa com isso. O dinheiro que hoje é entregue às escolas deve ir para as empresas dispostas a criar "escolas de aprendizes" e "centros de aprendizagem". O valor do envelope financeiro deve ser proporcional à taxa de empregabilidade conseguida.