"Ninguém é tão ignorante que não tenha algo a ensinar. Ninguém é tão sábio que não tenha algo a aprender." Pascal

10
Mai 16

Seminário

"Timor-Leste e Portugal: desafios e estratégias a uma língua comum"

6 de maio de 2016

Salão do INFORDEPE

 

A estabilização da língua portuguesa em Timor-Leste:

desmontando alguns mitos

 

Ricardo Antunes

Professor de língua portuguesa no Parlamento nacional de Timor-Leste

rjorge.antunes@gmail.com

 

Gostaria de começar por agradecer à Embaixada de Portugal em Díli, na pessoa do senhor Embaixador, o amável convite que me foi endereçado no sentido de aqui poder falar hoje.

É simbólico que este evento decorra precisamente no INFORDEPE, instituição que tem, no seu ADN, a questão da formação de professores, já que uma das ideias que eu venho defendendo é a de que será pela escola que o português de afirmará em Timor-Leste.

Essa é, como muitos aqui sabem, uma das minhas paixões. Em Portugal trabalhei na formação de professores durante quase 15 anos e cá, em Timor, mantenho contacto regular com essa área.

Foi aliás por causa dela que cá vim pela primeira vez, em 2002. Nessa altura, no âmbito do meu mestrado, pude estudar a situação do ensino do português em Timor-Leste, desde a chegada dos portugueses, no século XVI, até 2002-2003, e publiquei então a primeira tese de mestrado sobre a didática do português em Timor-Leste.

Na sequência desse estudo, continuei muito atento à forma como o ensino da língua portuguesa se ia desenvolvendo por cá, porque, depois de estudar e conhecer a realidade timorense, sempre acreditei que seria através do sistema de ensino que a língua poderia afirmar-se em Timor-Leste.

Em 2014, tive a oportunidade de voltar. E só poderia ter voltado para continuar a contribuição para este desígnio: o de afirmar a língua portuguesa em Timor-Leste. Voltei para a UNTL, onde tinha trabalhado em 2002 e agora para o Parlamento, onde também trabalhei em 2002, numa das experiências mais enriquecedoras que tive até hoje como professor, já que o senhor Presidente do Parlamento à época, o Maun Boot Lú-Olo, interrompia as sessões religiosamente à hora da aula e todos os deputados iam para as aulas de português. Coube-me a turma dos mais avançados, chefes de bancada, e outros Ema boot, e muitas vezes as aulas eram uma espécie de prolongamento das discussões do plenário, só que agora, em português.

O ensino da língua portuguesa em Timor-Leste foi evoluindo e mudou em muitos aspetos desde essa altura.

Como alguns se recordarão, a fase pós-99 foi complexa. Não havia nada. Foi necessário recrutar professores, muitas vezes sem habilitações adequadas e um dos critérios base era o de saber português. Realizaram-se vários cursos de capacitação em língua portuguesa, dirigidos aos professores. Multiplicaram-se os projetos e as formas de intervenção. As escolas tinham desaparecido e não havia nada a não ser vontade. Hoje, é com prazer que observo escolas equipadas, professores formados, currículos, manuais.

Tudo isto, não faz de mim um especialista. Sei algumas coisas, mas o campo de estudo desta área multiplicou-se de tal forma que são necessários muitos investigadores para que se vá conseguindo acompanhar a realidade. E eles andam aí. Portugueses, brasileiros, e cada vez mais timorenses têm avançado para estudos de mestrado e doutoramento, bem como outras publicações, sobre esta matéria, a mostrar que há o que investigar e que vai crescendo massa crítica, tão essencial neste projeto.

E é aqui que entra a minha intervenção de hoje.

Quando me convidaram, há umas semanas, pensei no que poderia vir aqui dizer. Não queria fazer desta intervenção uma apresentação muito técnica, por isso revisitei este percurso de quase 15 anos, desde 2002 até agora.

E nessa revisitação, saltaram-me à vista alguns mitos que têm, de alguma forma, condicionado o ensino da LP aqui em Timor, e têm até, parece-me, condicionado o discurso político em torno da questão.

Bom, eu sou um homem das Clássicas. Formei-me em Grego e Latim e foi dessa base, das línguas clássicas, que me tornei professor de português. Por isso interesso-me muito pela etimologia, ela origem das palavras. Mito vem do grego mýthos, que significa «palavra expressa» e depois do latim mythu-, «fábula; mito», e o significado desta palavra é uma narrativa fabulosa de origem popular; uma lenda; uma elaboração do espírito essencialmente ou puramente imaginativa, ou ainda uma representação falsa e simplista, mas geralmente admitida por todos os membros de um grupo.

Mito também pode ser o relato das proezas dos heróis, mas não é esse significado que quero aqui usar hoje.

 

Temos então alguns mitos, ideias que se foram construindo, que são fantasiosas, mas que muitos aceitam e usam como verdadeiras e reais.

Escuso-me à explicação inicial. O português está em Timor por razões históricas e políticas.

Os três mitos de que quero falar-vos hoje, são então:

  1. O português vai entrar rapidamente
  2. A geração perdida
  3. A situação não está a mudar

Por que razão os considero Mitos?

Precisamente porque estas ideias são vistas e reconhecidas como verdadeiras.

Por que é necessário desmontá-los?

Porque elas condicionam a ação no terreno, desde a ação política à ação prática.

 

Vamos então ao primeiro deles.

  1. O português vai entrar rapidamente

Este mito nasceu nos anos pós-99. Lembro-me bem das conversas com timorenses, nessa época e de perceber que em geral, as pessoas acreditavam que, tomada a opção política de inscrever a língua na constituição, tudo ia ser fácil e rápido. Este discurso era secundado pelos discursos dos responsáveis políticos. Xanana Gusmão, Francisco Lú-Olo, Ramos-Orta, Mari Alkatiri, as próprias autoridades religiosas e até o atual Presidente da República, Taur Matan Ruak. Todos foram fazendo afirmações, em vários discursos desta época, dando a ideia de que tudo seria rápido e fácil, como já referi.

Ora, a este discurso, seguiu-se aquilo a que chamo Choque de expectativas. As coisas não mudaram assim tão rapidamente. O choque começa a notar-se em discursos a partir de 2007-2008 e acentua-se nos últimos 3 anos.

Lembro-me de, em 2014, ler uma entrevista do atual diretor do Instituto Nacional de Linguística, em que ele fala dos 30 a 35% de timorenses que falariam o português, e de ver muita gente a torcer o nariz a esse número.

Ao questionar, desta forma, a mudança, várias hipóteses se foram levantando.

Algumas delas foram mesmo colocadas aos professores que, como eu, integraram o Instituto da Língua Portuguesa da UNTL, agora Centro de Língua Portuguesa. As pessoas queriam saber o que poderia estar a atrasar este processo.

Seria uma questão de método? (parecia que o ensino das outras línguas, como o inglês ou o espanhol, no caso dos que iam para Cuba estudar, era mais eficaz, e os alunos aprendiam mais depressa)

Seria a falta de recursos, que todos conhecemos bem e que compromete muitas vezes as intenções?

Será que esta dificuldade de afirmação rápida do português tinha a ver com a pressão de outras línguas? O inglês? O indonésio? A própria questão das línguas maternas?

Poderia ter a ver com a dificuldade específica do português?

Todas estas hipóteses eu vi enunciadas aqui e ali, em discursos mais ou menos oficiais, especialmente desde que cheguei em 2014. Todas elas manifestavam, e manifestam, uma frustração latente. A frustração de se ter acreditado numa coisa que não aconteceu como fora anunciada.

Como investigador, a resposta que encontro para este mito, é precisamente a de que, estando, em parte, certas, todas as hipóteses que enunciei, o tempo é o fator decisivo aqui.

Como os linguistas sabem, uma língua não se fala por decreto. O processo de reintrodução da língua portuguesa em Timor-Leste, por todas as razões que referi antes, nunca poderia ser um processo rápido, a não ser que as Cooperações fizessem uma espécie de invasão cultural, trazendo milhares de professores, livros e comunicação social.

Não foi essa a opção e, a meu ver, bem. Teve riscos? Claro que sim, mas é um processo que está a ser construído para os timorenses, pelos timorenses. Claro que com ajudas importantes, como a que a Cooperação Portuguesa tem dado, ou mesmo a Cooperação brasileira.

Com muitos constrangimentos, o que se veio construindo foi um sistema de ensino em que a língua portuguesa, não sendo língua materna, também não é uma língua estrangeira. O que se passa hoje é um ensino da cultura e valores timorenses em língua portuguesa.

E desenganem-se os que acharem que isto é uma questão de didática simples e que basta ir procurar outros modelos. Cada caso é um caso, e o que aqui está a ser feito não foi feito, desta forma, em praticamente nenhum outro lado. Hoje podemos ir beber um pouco nas experiências de Moçambique ou Angola, por exemplo, mas eles iniciaram os processos há 40 anos. Timor começou há 15. E está a dar respostas que, em certa medida até servem de modelo para esses irmãos mais velhos da CPLP.

Desmontando o mito: o português vai demorar tempo a entrar em Timor-Leste, e não podia ser de outra forma. Não sei se há 15 anos era ajuízado ou sequer possível dizê-lo, porque não era isso que as pessoas esperavam ouvir, mas hoje é certamente. Há 15 anos estava tudo em causa. Hoje já não está em causa a decisão política da escolha do português e é necessário enquadrar as dúvidas.

 

  1. Há uma geração perdida

Este mito também vem já desde o início da década de 2000. Lembro-me de conversar sobre isto com a minha orientadora de mestrado e com outros colegas cá em Timor-Leste.

De que geração falamos?

Da geração que iniciou os percursos escolares por nos últimos anos da década de 90 do século passado, portanto, ainda sob o domínio indonésio. A ideia de que seria uma geração perdida explica-se rapidamente: é uma geração que passou pela grande mudança: começou num sistema educativo e cedo teve uma interrupção violenta. Depois, bom, depois voltou aos bancos da escola, mas sem bancos da escola.

É uma geração que acedeu a um sistema de ensino que estava ainda a nascer, depois de ter começado noutro, com muitas diferenças.

Grupos de alunos que fizeram percursos escolares errantes, porque nem do lado dos professores era fácil encontrar estabilidade (falta de professores, falta de habilitações, falta de domínio de língua), nem essa estabilidade se encontrava do lado do sistema (escolas, estruturas de educação e ministério), porque também aí faltava muita coisa.

Recordo que uma das minhas preocupações era perceber em que língua, ou línguas, iriam estes alunos ser fluentes, especialmente no que à leitura e escrita diz respeito.

Ficariam competentes em bahasa indonesia (usada ainda no ensino secundário até há 3 ou 4 anos)? Em português (quando a maioria dos professores apresentava ainda níveis de proficiência muito baixos)? Em inglês (dada a proliferação de materiais que já em 2001-2002 eram distribuídos gratuitamente por todo o lado)?

Este mito, não o era, de facto. Uma parte dos alunos que passaram pelo sistema educativo sofreram este efeito negativo, que não se manifestou apenas no domínio da língua, mas em outras competências básicas, como a numeracia ou o conhecimento de história, cultura geral ou de ciências. No fim dos percursos escolares, para os que não abandonaram, os problemas mantiveram-se, com baixas competências profissionais e baixíssima empregabilidade.

Só que, como sempre, os riscos podem transformar-se em oportunidades. Uma vez mais os timorenses mostraram, perante um problema, uma enorme capacidade de adaptação.

As elevadas taxas de desemprego, com críticas à capacidade e qualidade da mão de obra timorense, mostram o efeito negativo desta realidade, mas os inúmeros projetos de criação do autoemprego, a força que tem atualmente o ensino vocacional, a energia que se sente um pouco por todo o país, com especial incidência nas áreas urbanas, mostram que esta geração está a dar a volta à adversidade.

Nunca Timor-Leste teve tantos estudantes no ensino superior como agora. E estes são exatamente os alunos da dita geração perdida.

Poucos países tiveram de estruturar, de raiz, toda a sua administração pública, e aí estão os jovens timorenses em muitos desses lugares. Conheci-os na UNTL, no Parlamento, nos Ministérios. Gente que chega aos lugares e não só tem de desempenhar tarefas para as quais não vinha bem preparada, como dedica ainda longas horas de estudo, em formação contínua ou em línguas, por exemplo.

E eu pude testemunhar como, apesar das dificuldades, que as há e não quero aqui esconder, eles estão a lutar. Observei-o nos estágios, observo-o nas escolas secundárias, do ensino geral e vocacional.

E relembro: para a maioria dos jovens desta geração, a única língua que aprenderam de forma mais sistemática, em termos escritos, foi ainda a bahasa indonesia.

A chegada destes jovens à idade adulta poderia ser um grave problema na implantação do português.

Não está a ser e isso desmonta o mito de que se tratava de uma geração perdida.

 

  1. O terceiro mito, é o de que a situação não está a mudar.

Este mito vem na sequência dos dois anteriores e é mais recente.

Comecei a ouvir isto a partir de 2012, na altura das celebrações dos 10 anos da restauração da independência.

Resulta da frustração da geração mais antiga, por verem que as mudanças não foram tão rápidas como esperado, e de um certo cepticismo em relação a esta nova geração.

Este mito eu pode desmontar-se rapidamente. O que estamos a observar neste momento é a chegada à Universidade de alunos que iniciaram os seus estudos no início dos anos 2000 (2001, 2002, 2003...).

Estes alunos começam a apresentar um domínio de língua portuguesa muito interessante. E não se trata de um fenómeno localizado, como aconteceu nos anos 70 do século XX, em que apenas uma elite acedia à língua portuguesa. Hoje, pelas escolas secundárias dos vários distritos, é possível ver e ouvir já bom português.

Por exemplo, por alturas das comemorações da chegada dos portugueses a Timor-Leste, em novembro de 2015, alunos do ensino secundário de todo o país protagonizaram debates e concursos de discursos, em língua portuguesa, com um nível muito bom.

Esta geração é a que pôde fazer já todo o percurso escolar até à universidade em português.

Contributos de muitos projetos de formação, em língua portuguesa e em didática, com a colaboração das Cooperações de Portugal e Brasil, renovações curriculares, apoiadas por Universidades Portuguesas, elaboração de manuais escolares

(deixem-me só parar aqui um pouco, porque às vezes esquecemo-nos destes detalhes: só há 4-5 anos os alunos do ensino secundário têm manuais escolares em português. 4-5 anos. no 2.º e 3.º ciclo, há 7-8 anos. E como sabemos estes livros, na maioria dos casos, nem sequer estão nas mãos dos alunos.)

com todos estes contributos e com o esforço dos professores timorenses, temos alunos que fizeram o seu percurso em língua portuguesa até à universidade. Nem sempre bom, nem sempre com qualidade, como mostram os estudos de literacia, mas é uma nova geração de alunos.

Assim sendo, como está a situação?

É mito que as coisas não estejam a mudar? É, claramente!

Hoje, na Universidade, por exemplo, sente-se uma pressão para que os professores aprendam português.

Isso não é novo, dirão alguns. É verdade! Desde que cá vim pela primeira vez, os reitores, por pressão direta e do próprio ministério, vinham falando disto. Só que essa pressão, de cima para baixo, não produziu os efeitos desejados. Muitos de vocês sabem como era. Turmas abertas, 40 inscritos, 20 a começar os cursos e poucas semanas depois, os números baixavam drasticamente. Hoje a pressão vem de baixo. Hoje os professores já dizem que os alunos sabem mais português do que eles. E isso mostra o quanto as coisas estão a mudar. Hoje os alunos da UNTL já não aceitam ter aulas em bahasa indonesia, porque não aprenderam a ler e a escrever nessa língua, e exigem o português ou o tétum.

Tudo bons sinais.

E sinais de que, efetivamente, é o sistema de ensino que está a operar a grande mudança. O português está a afirmar-se por esse lado.

Se considerarmos que, pelos números dos Censos, quase 1/4 da população de Timor-Leste está integrada em sistemas de educação, entre escolas e universidades, então os números de que falava o professor Benjamim Corte Real não andarão longe da realidade. Atualmente, entre 30 a 40% da população tem já um contacto regular com o português e esse número deve continuar a subir rapidamente nos próximos anos. Isso significa que dominam a língua? Ainda não, mas é um primeiro passo.

Mito desfeito. A situação está a mudar, e agora numa velocidade mais acentuada.

 

Sugestões

Para finalizar, deixem-me aproveitar que estou nesta casa, para deixar algumas sugestões.

Como eu disse ali atrás, uma língua não se fala por decreto.

Para que as pessoas a usem é preciso que haja necessidade e oportunidade. Uma não anula a outra. Podemos ter necessidade de falar uma língua e não ter a oportunidade para o fazer, e também podemos ter a oportunidade de falar, mas se não temos essa necessidade, não o fazemos.

É necessário criar então a necessidade e a oportunidade.

Formação de professores

Na escolas, a necessidade está criada, com o uso da língua na instrução e nos materiais de ensino. Só que muitas vezes a oportunidade ainda não surge, porque é possível fazer isso noutra língua.

A formação de professores para a implementação de uma política de língua é fundamental.

Em 2002, notei uma disfuncionalidade do sistema de formação que ainda hoje se manifesta: a atenção dos projetos foi quase sempre para o secundário e para o 3.º ciclo. Também houve formação e apoio para o 1.º ciclo e pré-escolar, mas muito menor. Continuo convicto de que é aí que se deve centrar o maior esforço. Com bons professores, bons currículos e bons materiais no pré-escolar e no 1.º ciclo, nos primeiros anos, conseguiremos criar uma geração de novos estudantes que farão, nos anos seguintes, o que atualmente os universitários fazem aos seus professores: pressão de baixo para cima, que é sempre muito mais eficaz. Um exemplo dessa atenção invertida, é o novo concurso aberto para contratação de formadores portugueses. Mais uma vez o Secundário e o 3.º ciclo são o centro das atenções.

Independentemente dos currículos (e hoje não vou falar disso), é no 1.º ciclo (e pré-escolar, quando o há), que se estabelecem as bases para as aprendizagens. Um aluno que aprenda a pensar, a estruturar as ideias, a ler e a escrever adequadamente nos primeiros anos, será sempre um estudante mais ativo.

É preciso então insistir na formação dos professores. Na formação inicial e na formação contínua. Não quero aqui dourar a pílula. Nem tudo está bem. Há muito a melhorar. E um professor que tem dificuldades a pensar, falar, ler ou escrever em português, dificilmente ensinará em português. Não metamos a cabeça na areia. Não quero dizer, com isto, que os professores timorenses não fazem um bom trabalho ou não sabem português. Já me acusaram disso, mas eu não tenho medo das palavras. Há muitos professores sem as qualificações adequadas, a dar aulas de disciplinas para as quais não têm formação ou competência, e com dificuldades de língua portuguesa.

Além disso, com um currículo bilingue, como o que atualmente está em vigor, a exigência sobre os professores é ainda maior. Alguns podem pensa que um currículo bilingue é mais fácil para os professores. Não é. Obriga a uma prática ativa de bilinguismo. Essa prática, que já era corrente na maioria das escolas, de forma passiva, é agora ativa. E isso leva a que o professor precise de reconhecer a presença das várias línguas e as suas múltiplas interferências. Daí a necessidade de insistir na formação em didática e em língua.

Livros e bibliotecas

Este ponto quase nem seria necessário destacar, tal é a evidência. A oportunidade nasce de muitas formas, mas se eu não tiver livros, nunca tenho oportunidade de ler. É preciso manter um esforço continuado nesta área. Até que as famílias comecem a ter livros em casa e a ter hábito de comprar livros, ainda muito tempo passará.

Eu também venho de uma família em que praticamente não havia livros. O primeiro livro que me lembro de ter, assim meu, foi um pequeno livrito, de umas 6 páginas, oferecido pela minha professora da escola primária, no 1.º ano. Ainda hoje me lembro do cheiro e de quase todas as páginas.

Deixem-me ironizar um pouco: Se é possível haver paletes, sim, paletes, de livros de inglês, de qualidade duvidosa, à venda no Timor Plaza, pelo menos desde 2014, a 50 cêntimos, tem de haver forma de fazer chegar livros, de qualquer tipo, em português, a todos os cantos de Timor-Leste.

Infelizmente, nesta matéria, de 2002 para agora evoluímos pouco. Lembro-me de, nessa altura, no centro de Língua do Camões, com alguns colegas que aqui estão na sala, termos umas quantas Gramáticas Ativas e uns Dicionários do professor Luís Costa, que serviam para as aulas e eram religiosamente recolhidos para podermos usar na turma seguinte.

A Feira do livro de 2003 quase dava origem a motins, tal foi a procura.

Nessa altura, ONGs australianas distribuíam paletes de livros em inglês pelos mercados de todos os distritos. Gratuitamente.

Por outro lado, alguns dos primeiros livros com que muitos alunos terão contacto, são os manuais escolares. É absolutamente necessário que os manuais passem para as mãos dos alunos. Que passem a ser deles. Porque depois esses livros ficam lá por casa e novamente a necessidade não existe, mas a oportunidade sim.

E é também preciso criar uma rede de bibliotecas municipais, que depois apoiem as bibliotecas escolares. Sei que há projetos, mas é uma necessidade. E enquanto toda essa estrutura não se monta, devia manter-se a aposta nas bibliotecas itinerantes.

Eu ainda sou do tempo das carrinhas da Gulbenkian, em Portugal. Andava no 5.º ou 6.º ano e era a forma de ter acesso a biblioteca. A escola, apesar de nova, não tinha biblioteca.

Ainda neste capítulo, é necessário mais apoio e divulgação de autores timorenses. Novos e velhos. Conhecidos e menos conhecidos. Havendo tão pouca produção, tudo tem de ser pretexto para ir aumentando esse espólio. As escolas são um bom terreno para isso, porque o mercado de compra de livros é praticamente inexistente e não há forma de alguém ser escritor em Timor, vivendo das vendas. Mas se as obras forem escolhidas para ser estudadas e lidas nas escolas, aí o mercado passa a existir.

Comunicação Social

Novamente no binómio necessidade-oportunidade, temos a comunicação social.

Detenhamo-nos um pouco neste ponto. Um timorense médio, que não tem computador nem internet em casa, que oportunidades tem para ver e ouvir português? Meio noticiário na RTTL, alguma programação da RTPinternacional, geralmente sem qualquer relevância cultural para Timor-Leste, às vezes, a Antena 1 Internacional, meia página em alguns jornais...

Se relembrarmos que um terço da população tem menos de 25 anos, nenhuma destas opções chega a ser opção.

Alguns jovens timorenses acham mesmo que em Portugal não há canais generalistas e com programação atrativa, como os canais indonésios. Quando a Benvinda de Jesus apareceu no The Voice em Portugal, foi uma surpresa!

É necessário criar condições para que muito mais canais de conteúdos em Português, modernos e com capacidade de competir com a programação indonésia, cheguem à casa dos timorenses. Ver televisão é uma necessidade dos dias de hoje. Ver em português, depende da oportunidade.

Nos jornais, revistas e rádios, o mesmo se passa.

 

Controlo legislativo

Este ponto leva-me ao próximo, que é o controlo legislativo.

Apesar de confessar a minha ignorância neste ponto, sei que é possível obrigar a que a administração pública, os órgãos de comunicação social e muitas outras entidades usem, de facto ao português (e já agora, por arrasto, o tétum).

É ainda comum que muitos serviços apresentem informações em inglês, noutros casos em bahasa indonesia. Se era justificável há uns anos, penso que neste momento isso pode ir progressivamente desaparecendo.

Mesmo no setor privado é possível intervir. Não se pode proibir um restaurante ou outro estabelecimento de ter informação na língua que entender, mas pode obrigar-se a que toda a informação para o público esteja, também, nas línguas oficiais. Há dias encontrei uns produtos de origem local, no supermercado. Gostei muito e comprei, mas toda a informação da embalagem vinha em inglês...

No cinema, é a mesma coisa. Todos dos filmes que são mostrados aqui em Timor têm em Portugal e no Brasil versões com dobragem e com legendas em português. Não se percebe como se mantém em inglês, com legendas em mandarim e em bahasa indonesia. E é assim que estão a passar diariamente, mesmo os filmes para as crianças.

Reforço das relações económicas com países da CPLP

Por fim, o reforço das relações económicas com países da língua portuguesa.

Perguntarão em que medida isso pode contribuir para o português.

Relembro, que foi precisamente por razões comerciais (não só, mas principalmente) que os portugueses cá chegaram. Não fosse o comércio, principalmente do sândalo, e era pouco provável estarmos aqui hoje a falar de português e em português.

Volto à necessidade e oportunidade. Com tanto desemprego, o normal é que os jovens olhem para outras paragens, para outros países. Atualmente, a diáspora timorense espalha-se pela Europa, principalmente em zonas em que se fala inglês, pela Austrália, por Portugal...

Ao mesmo tempo, chegam-nos notícias de que nunca houve tantos chineses a aprender português, de que o interesse dos espanhóis também não pára de aumentar, de que na América Latina e nos Estados Unidos se aprende cada vez mais português. Além de sermos simpáticos e bonitos, a verdade é que quem procura o português hoje, o faz por causa das oportunidades de negócio ou de trabalho. E os timorenses precisam imenso delas. Além disso, este reforço poderá trazer para Timor algumas empresas da CPLP, em que já se fala português, e de outros países, que querem fazer negócios na CPLP e podem aqui ver uma boa porta de entrada.

 

Três notas finalíssimas

Uma oportunidade

Dada a crescente procura pelo português (só na China já há mais de 30 universidades a oferecer licenciaturas em língua portuguesa) na Ásia, Timor poderia começar a posicionar-se para ser um exportador de cursos de língua portuguesa. Sabemos que Macau faz um pouco esse papel, e tem crescido e apostado nisso nos últimos anos, mas com boa formação em LP, Timor pode começar a atrair alunos do Sudeste Asiático, que queiram aprender português, uma vez que é muito mais barato vir a Timor do que ir à Europa ou ao Brasil. A UNTL e mesmo outras Universidades e Institutos podem ter aqui uma boa fonte de receitas.

 

O surgimento de uma variante timorense do português

A afirmação de uma variedade é coisa lenta e demora muito tempo. Implica que aquilo que para um falante de outra variedade surge como um erro (a simplificação da conjugação verbal, diferenças na uso das preposições, etc...) passe a ser visto e reconhecido, pela elite política, cultural e académica, como norma. E implica que essa norma seja tão forte que se assuma que essa é a forma adequada e se passe a ensinar assim a língua. Sem querer alongar-me, sempre posso dizer que, pelo que observo, há dois entraves a que essa variedade timorense da língua portuguesa se afirme nos tempos mais próximos (diria próximas décadas):

1) A língua portuguesa em Timor-Leste está num processo de reintrodução. Por isso mesmo, ela não é estável neste momento. O nível vai mudando de acordo com a idade e os contextos e o que hoje é uma marca amanhã pode já não ser. Excetuando os falantes mais velhos, que agora já não estão em sistemas de aprendizagem (e que são uma minoria), a população timorense está sujeita neste momento a inputs de língua muito variados e variáveis e assim não há condições para se estabelecer um padrão;
2) a tal elite política, cultural e académica, que há de dar validade a essa variante, ainda está muito ligada às suas "raízes" linguísticas, sejam elas do português europeu ou do português do Brasil (ou até de Moçambique). Assim, qualquer variante a essa raiz (que para eles é vista como a certa) é um erro e não uma variante da língua portuguesa. Daí que não a validem.

No ano passado, no II.º Simpósio de Educação, na UNTL, essa questão levantou-se. É relevante fazer-se trabalho de recolha de corpus linguístico, nos vários estratos da sociedade, para que se vão começando a perceber as zonas de mudança e as zonas estáveis. Mas isso serve apenas para que se comece um processo que é, como disse atrás, longo. O João Paulo Esperança fez alguns levantamentos, logo em 2000, 2001 e continua por cá a recolher e trabalhar. A Dra. Maria José Albarran também fez algum trabalho até 2004 e mais recentemente o investigador Davi Albuquerque, num dos poucos doutoramentos feitos especificamente sobre questões linguísticas em Timor-Leste, voltou a apresentar algumas marcas que podem vir, a prazo a estabilizar.

 

Uma nota sobre a estabilização do tétum

Esta não é a minha área e portanto aqui sou apenas um mero observador. O Instituto Nacional de Linguística, pela mão do Doutor Benjamim Côrte Real, o João Paulo Esperança, pelo conhecimento que acumulou sobre o tétum e as restantes línguas de Timor-Leste, o Professor Luís Costa, pelo labor empregado nos vários instrumentos (gramáticas e dicionários) que produziu, a igreja, pelo trabalho dedicado ao tétum e mesmo outros mais anónimos, têm contribuído para uma afirmação da língua tétum.

Várias questões se têm levantado, contudo, sobre a ortografia do tétum, a começar pelo facto de muitos não dominarem a dita ortografia oficial.

Valendo pouco, deixo aqui uma comparação, para que com as devidas diferenças, relativizemos um pouco a questão.

Em Portugal, só com o alargamento da escolaridade à generalidade da população se estabilizou a ortografia (aconteceu no final do século XIX e início do séc. XX). Até essa altura, a ortografia era uma questão menor. Cada escritor usava uma ortografia diferente e havia textos para todos os gostos: uns mais próximos das raízes latinas e outros a aproximar-se da fala.

Aqui, parece-me, pode acontecer idêntico movimento com a ortografia do tétum. Com o alargamento do seu ensino formal e sistemático, na forma escrita, nas escolas, assistiremos a uma estabilização. Mas não pensem que também no tétum isto se resolve rapidamente.

Em Portugal, tivemos a primeira reforma ortográfica do português em 1911, portanto há mais de 100 anos, e ainda andamos às voltas com a ortografia, com o Acordo Ortográfico de 1990!

O tétum precisa de uso. Precisa de quem o escreva e leia, e vá limando as arestas e burilando os entalhamentos.

 

 

Em síntese, queria deixar a ideia clara de que há dificuldades, mas também de que há muito boas oportunidades para que o português estabilize e se afirme em Timor-Leste.

 

Obrigado pela atenção.

 

 

publicado por Ricardo Antunes às 01:22

Olá

Depois de uma longa pausa por aqui, resolvi voltar.

Estou, como muitos já sabem, em Timor-Leste, pelo que esse assunto será mais recorrente, embora me mantenha atento a tudo o que diz respeito à Educação em geral.

Boas leituras.

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publicado por Ricardo Antunes às 00:59

10
Nov 14

É um tema complexo. Sem pretos e brancos.
Gostei deste texto, por isso o partilho. Não tanto pela avaliação de professores, mas pelo modelo de professor.

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"Gostava dos professores faltistas. Dos que passeavam entre as filas de carteiras enquanto diziam lérias, e a quem chamávamos malucos, mas a cujas aulas íamos com gosto. Daqueles que a gente nem sabia em que parte do programa é que iam.
“O que é que o gajo tá a dar?” “Sei lá, deve ser o barroco!” “O barroco não pode ser, que já demos o neo-realismo!”
Gostava dos que diziam “merda, molhei os sapatos lá fora” ou “hoje estou cheio de gases”, e nos mandavam ler textos sérios pejados de asneiras, divertindo-se com o escândalo entre as meninas: “Tes... ai, tes...tí... bem... posso ler isto?, ai, testí... ti... culo, ai, este texto... “.
Gostava dos que se sentavam em cima da mesa a falar sozinhos, despenteados, com mau feitio, e nos ensinavam coisas que a linguagem não contém. E que aprendiam coisas para si enquanto falavam. Estabeleciam uma relação em que não haviam pensado antes, “pois é, pois é”.

Mandavam-nos ver filmes que não eram para a nossa idade e ler livros terríveis. Não creio que seguissem programa, que tivessem planificação, que fossem a reuniões. Não tinham. Chegavam, mandavam umas bocas, dissertavam, divertiam-se que nem uns malucos e quem lhes tirava aquilo, tirava-lhes a vida.
Nos testes ditavam-nos as perguntas, inventadas na hora, e não dava para copiar, embora até pudéssemos... aquilo não estava escrito em lado nenhum.
O que eu aprendi com esses malucos sem método algum, que nunca na vida foram avaliados!"

publicado por Ricardo Antunes às 05:22

Caiu nos comentários de um post mais antigo um link que não pode ficar lá.

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"Levantando-se da secretária, começou a falar em cima do estrado: – Eu sou o vosso professor de História. Estou aqui porque preciso de ganhar a vida e como os meus filhos não pôem ovos, preciso de dar estas aulas. Mas não vou dar esta História da treta, imposta por este regime tenebroso, que espera pela tal idade para vos obrigar a marchar para África. A História que vou ensinar é contada pelos Homens do Mar, sentida nos Lugares e vivida pelos Povos que fazem a História. O silêncio era total na turma. Esta turma era problemática, com bastantes repetentes, e onde as idades variavam entre os 12, que era o meu caso, e os 17 anos. Também havia alunos subnutridos, oriundos dos bairros de lata. Calados, e olhando uns para os outros, logo compreendemos que aquele professor era diferente. – Mas não pensem que vocês não vão ter que estudar. Isso vocês têm que fazer, estudar, para serem Homens Livres, e pensarem pela vossa cabeça e assim combaterem esta ditadura, para termos um novo País. Outra coisa: Vou ter que fazer pontos, porque tenho que dar notas. Por isso vão ter que estudar o vosso livro. Têm que estudar, mesmo que essa matéria seja uma falsidade. Se quiserem copiar é com vocês. Não vou andar armado em toupeira, é uma decisão vossa. No entanto acho que devem ser honestos, porque se não o forem, juntam-se ao bando de vigaristas e corruptos que governam este país. Temos que ser dignos connosco, para sermos dignos com os outros. Por isso, recomendo que não devem copiar. Há que criar princípios e valores. Não concordam? Bem, por hoje é tudo, podem sair."

 

publicado por Ricardo Antunes às 05:18

29
Jun 14

Caiu-me na timeline do Facebook, pela mão do João Lima, um interessante texto, aparentemente dedicado a dizer mal do Acordo Ortográfico (AO90).

Um texto para leigos, é certo, e com algumas coisas interessantes. Apenas um senão, que faz toda a diferença: é aqui usado como arma de arremesso contra o Acordo ortográfico, quando nada do que aqui é dito diz respeito ao AO90.

Vamos a alguns exemplos (leiam o texto original, para perceberem isto...)

1. Diz o Nuno Pacheco (NP): "Portugal e Brasil, mantendo unidade ortográfica até aos últimos tempos da monarquia portuguesa". Em que se baseará o autor para fazer esta afirmação, se é sabido que antes da primeira República não houve qualquer preocupação, oficial, com a questão? Cada um escrevia como queria e daí não vinha qualquer mal ao mundo. Com a institucionalização de uma escola para todos, alfabetizando em português, aí sim houve a necessidade formal de uma ortografia única.

2. NP: "Cabo Verde e São Tomé e Príncipe tinham crioulos próprios". Isto é dito como se se tratasse de coisas diferentes... Não é. Os crioulos resultaram precisamente do contacto das línguas locais com o português. Quer se defenda a teoria eurogenética, afrogenética ou neurogenética, uma das bases lexicais é sempre o português.

3. NP: "se os movimentos de libertação africanos optaram pelo português no momento de escolher uma língua oficial, isso deveu-se à necessidade de evitar divisões (escolher uma língua em detrimento de outra acirraria tribalismos) e ao mesmo tempo de aproveitar o esteio do conhecimento já semeado pelo português.". Se perguntar, ainda hoje, aos líderes desses países (e de Timor Leste), a resposta aponta sempre no sentido de a língua fazer parte da identidade nacional. Esse lado mais prático, ligado à unificação territorial, também estava lá, mas se pensarmos que nesses países a grande maioria da população, nessa altura, não dominava o português, o argumento isoladamente (como é aqui usado no texto) cai por terra.

4. NP: "está na base dessa aberração chamada “acordo ortográfico”, que não só é totalmente inútil do ponto de vista prático (como se vê, para um mesmo acontecimento, global e recente, Portugal fala em Mundial de Futebol e o Brasil em Copa do Mundo, sem que nenhum acordo resolva tais diferenças, nada subtis – ou sutis, como se dirá no Brasil)". Qualquer pessoa medianamente informada saber que ortográfico diz respeito à ortografia, ou seja, à forma de escrever as palavras e não à semântica ou ao léxico. Quer isto dizer que nunca o Acordo Ortográfico pretendeu acabar com os sinónimos da língua, ou do idioma, só para dar um exemplo. Então, qual a relevância de se usar isso como argumento para falar do AO90? Desinformação? Fica mal ao sub-diretor do Público. Como ele realça ainda na mesma afirmação, aquilo de que o AO90 trata é da forma de escrever e não da forma de falar. Daí que uns digam (e bem) subtis, e outros digam (e bem) sutis. E o que o AO90 traz, em grande parte, é a clarificação de que, genericamente, se deve optar pela grafia mais próxima da fala - escreve-se facto quando se diz faCto e escreve-se fato quando se diz fato, independentemente do significado, até porque esse exemplo mostra que a semântica e léxico resolvem outro problema: fato, no Brasil, nunca é roupa. Claro que há sempre iluminados, e ainda há dias ouvi que numa entrevista para leitor do Instituto Camões (que deveria ser o bastião da difusão da língua, com toda a sua diversidade - por isso, caro Nuno Pacheco, tem aqui uma boa matéria), alguém, que não o candidato, terá afirmado que isso das variedades dialetais e socioletais já não existe, desde que existe televisão. :P

5. NP: "Foram criadas novas e artificiais diferenças, impostas à fala e não determinadas por esta". Esta foi a linha que me fez escrever isto tudo. Exemplos, meus senhores, quero exemplos. Exijo exemplos, para que a discussão não morra de esterilidade já aqui.

6. NP: "depois da vigência oficiosa do acordo (que não é oficial em país algum) continuaram a ser produzidos dois documentos, um para Portugal e outro para o Brasil. África, como de costume, continua arredada destes malabarismos.". O AO90 está em vigor em Portugal e no Brasil. Mas não só: todos os países da CPLP já o ratificaram, com exceção para Angola, que preferiu, e bem, aprofundar e estabilizar o seu Vocabulário Ortográfico - na prática, a grande contribuição de cada um dos países para este Acordo. Em Moçambique, o sétimo país da CPLP a ratificar, em 2012, houve mesmo uma declaração dos escritores nativos a saudar a decisão política. Se está ratificado pelos estados é oficial.

7. NP: "Ora devíamos, isso sim, estar a trabalhar no sentido de reconhecer (e aceitar como naturais) as diferenças na evolução do léxico, do vocabulário e das estruturações frásicas nos vários países onde o português é língua oficial, mas também de consignar tais diferenças (vocais ou gráficas) como património comum, em lugar de as escondermos como se fossem “aleijões” da língua e indesejáveis “impurezas”. " Caro NP, aqui entrou definitivamente fora de mão. O "atraso" que tem sido apontado à implementação plena do AO90, resulta precisamente desse trabalho. O Vocabulário Ortográfico Comum é apenas a base, mas nunca como hoje se trabalhou sobre esses aspetos da língua. E volto a relembrar que nenhum deles (léxico, semântica e sintaxe) diz respeito ao AO90. Nenhum.

8. NP: "tem estado arredado do trabalho dos bonzos das academias". Escuso-me a comentar quando a verborreia deriva para a boçalidade. Qual o propósito de chamar bonzo aos académicos? Já agora, bonzo vem do japonês bózu, «religioso ordinário ou ignorante», o que mostra que não é difícil alterar a escrita em função da fala...

Por fim, que a conversa já vai longa, confirmar que sim, que a língua tem muitas variedades, mas que isso não significa que para escrever a mesma palavra, se a ela corresponder um som mais ou menos único no espaço lusófono, se não use uma mesma forma ortográfica. Dizer que isto é retirar-lhe liberdade e diversidade é não perceber que na sua liberdade e diversidade, o português nos deu um Mia Couto (que, aliás, saudou também a ratificação do AO90 no seu país) ou um Herberto Hélder ou um Saramago. E o que tem isso a ver com o AO90? Nada.

publicado por Ricardo Antunes às 09:52

28
Fev 14

Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigí-la.
Porém, se a não corrigires, não a alcançarás. Entretanto, não te resignes.
Do Livro dos Conselhos

Sabem os que me conhecem que tenho trabalhado, entre outras coisas, como Revisor de livros. É uma tarefa de que gosto, que aprecio e que fui aprendendo a fazer, já que não há propriamente cursos para tal.
Também sabem da minha paixão por Saramago. Aprecio-lhe a fala, o discurso, as estórias e o desafio constante à realidade estabelecida. Um e outro, são gostos. Discutíveis, portanto, mas parte do que me aquece a alma. Gosto por trabalho é coisa que vai escasseando. Gosto por Saramago é comprar guerras com muitos. Vem esta conversa toda à guiza por se ter dado o curioso facto de, entre muitos livros lidos de Saramago, eu nunca ter lido a História do Cerco de Lisboa. Não foi por falta de avisos, do próprio autor, que em variadíssimas entrevistas me alertou para essa necessidade. Aconteceu. É assim. Coisas de quem leu a obra de diante para trás. Ora acontece que, tendo comprado, já há umas semanas a dita obra, só ontem tive a disponibilidade para lhe pegar. E foi com espanto e fascínio que descobri, logo nas primeiras linhas, que se trata de uma estória sobre um Revisor. Precisamente sobre o revisor da obra História do Cerco de Lisboa. Brilhante, mais uma vez, Saramago. E fascinante para mim, iniciado nas lides de revisão.
Tenho tanto para aprender...


"Acima de tudo, primeiro mandamento do decálogo do revisor que aspire à santidade, aos autores deve-se evitar sempre o peso de vexações."

publicado por Ricardo Antunes às 23:53

12
Jun 13

  Este é um texto que me acompanha há já muito tempo. Num momento em que a luta entre professores e ministério está ao rubro, volto a ele, para que não se perca, no meio da poeira dos dias, o essencial. A voz ao Mestre, Agostinho da Silva.

 

imagem daqui

Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.

A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama; errou o que se fez professor e desconfia dos homens, se defende deles, evita ir ao seu encontro de coração aberto, paga falta com falta e se mantém na moral da luta; esse jamais tornará melhores os seus alunos; poderão ser excelentes as palavras que profere; mas o moço que o escuta vai rindo por dentro porque só o exemplo o abala. Outros há que fazem da marcha do homem sobre a Terra uma estranha concepção; vêem-no girando perpetuamente nos batidos caminhos; e, julgando o mundo por si, não descobrem em volta mais que uma eterna condenação à maldade, à cegueira e à miséria; bem no fundo da alma nenhuma luz que os alumie e solicite; porque não acreditam em progresso nenhuma vontade de melhorar; são os que troçam daquilo a que chamam «a pedagogia moderna»; são os que se riem de certos loucos que pensam o contrário. Ora o mestre não se fez para rir; é de facto um mestre aquele de que os outros se riem, aquele de que troçam todos os prudentes e todos os bem estabelecidos; pertence-lhe ser extravagante, defender os ideais absurdos, acreditar num futuro de generosidade e de justiça, despojar-se ele próprio de comodidades e de bens, viver incerta vida, ser junto dos irmãos homens e da irmã Natureza inteligência e piedade; a ninguém terá rancor, saberá compreender todas as cóleras e todos os desprezos, pagará o mal com o bem, num esforço obstinado para que o ódio desapareça do mundo; não verá no aluno um inimigo natural, mas o mais belo dom que lhe poderiam conceder; perante ele e os outros nenhum desejo de domínio; o mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor — eis todo o seu programa; para si mesmo, a dádiva contínua, a humildade e o amor do próximo.

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

publicado por Ricardo Antunes às 22:13

08
Jun 13

 

Como os que me conhecem sabem, sou dos que gostam de dar o benefício da dúvida. Até já aqui escrevi sobre isso há tempos.
Quando o ministro Nuno Crato começou a sua reforma educativa, fui observando, cada vez mais de fora e afastado (por opção) enquanto profissional, e cada vez mais por dentro como pai.

 

Vários sinais foram e continuam a ser positivos e disso também encontrarão algum eco nestas páginas: gosto da autonomia das escolas, acredito que em qualquer instituição (e as escolas não são diferentes nesse ponto, muito pelo contrário) tem de haver quem mande e quem manda tem de poder escolher com quem trabalha (com a arbitrariedade que isso sempre traz).

 

Há, contudo, outros casos em que os sinais são menos interessantes. Na semana passada, o sr Mário (cozinheiro e empregado de mesa e bar durante mais de 40 anos, com quase 60 anos e muitas histórias para contar) trouxe-me um fac-símile do Livro de Leitura da 3.ª classe. Orgulhoso, mostrava-me as páginas e, apesar de ter apenas completado a 4.ª classe, sem sequer ter tido a "honra" de fazer o exame (naquele dia foi preciso ajudar na quinta onde ele e a família moravam e trabalhavam), queria que eu visse como ele ainda sabia parte dos textos de cor.

 

A páginas tantas, eis que salta para a ponta da língua o "Palram pega e papagaio". Este é um texto de Pedro Dinis, um antigo diretor da Biblioteca Nacional, e foi recolhido por Antero de Quental, numa antologia intitulada Tesouro Poético da Infância. Nada disto seria relevante, não fosse termos o sr ministro Crato a insistir nessa ideia de que  as Metas são o Alfa e o Ómega da sua política educativa. E não é que este poema é precisamente um dos de leitura obrigatória no 1.º Ciclo, nas Metas Curriculares de português?Um regresso à ribalta que pode servir de exemplo do conservadorismo que temos pela frente. Esse conservadorismo que salta à vista quando lemos declarações como esta, em entrevista à Revista Veja:

Memorizar a tabuada, cidades e rios
Contra o 'eduquês' e as teorias de Jean Piaget, Nuno Crato defende a memorização. “É importante decorar a tabuada, o nome e a localização de certos rios e cidades e as datas mais importante da História.”

Questionado sobre o modo como as crianças aprendem, o ministro afasta a ideia do gosto pela aprendizagem. Esse é um “pensamento muito limitado” e exemplifica: “Veja o caso da leitura. Muitos educadores acham que para ler bem a criança precisa, antes de qualquer coisa, estar desperta para o gosto pela literatura”, mas não [não??] , Crato considera que “tem de se ler muito, mesmo sem gostar”.

Estamos entendidos.

publicado por Ricardo Antunes às 00:42

12
Abr 13

Descobri ontem esta carta, que está a tornar-se viral na internet (apesar de não ser essa a intenção do autor).

Trata-se da carta de demissão de um professor, dando-se conta de que não é ele quem abandona a profissão, mas a profissão que o abandonou a ele, no sentido em que já não existe como tal. "After writing all of this I realize that I am not leaving my profession, in truth, it has left me. It no longer exists."

 

Jerry Conty foi (eu acho que continua a ser) professor de história. Viveu na pele o fenómeno da tentativa de estandardização  (padronização, uniformização), que nos Estados Unidos aconteceu mais cedo do que por cá. E a sua carta de demissão é uma reação a esse modelo e forma de ver a educação. Para quem acredita na educação, e vive por dentro esta ideia do ser educador, a descrição que ele faz do que é, no seu entender e experiência, ser professor, é deliciosa (ver parágrafo 3). “Education is not preparation for life, education is life itself.”

 

Por cá, ainda estamos a cavalgar a onda do one-size-fits-all. A onda ainda está a crescer. Noutros países, parece que já estão em processo de ajustamento. Talvez fosse tempo de aproveitar as lições da história. (ler os parágrafos 4 e 5) De ver o que outros já estão a perceber.

 

Mais do que as minhas palavras, deixo-vos a carta (no original, em inglês).

Antes disso, contudo, deixo uma entrevista com o autor da carta.

Gerald J. Conti
4375 South Onondaga Road
Nedrow, New York 13120
February 7, 2012

Mr. Casey Barduhn, Superintendent
Westhill Central School District
400 Walberta Park Road
Syracuse, New York 13219

Dear Mr. Barduhn and Board of Education Members:

It is with the deepest regret that I must retire at the close of this school year, ending my more than twenty-seven years of service at Westhill on June 30, under the provisions of the 2012-15 contract. I assume that I will be eligible for any local or state incentives that may be offered prior to my date of actual retirement and I trust that I may return to the high school at some point as a substitute teacher.

As with Lincoln and Springfield, I have grown from a young to an old man here; my brother died while we were both employed here; my daughter was educated here, and I have been touched by and hope that I have touched hundreds of lives in my time here. I know that I have been fortunate to work with a small core of some of the finest students and educators on the planet.

I came to teaching forty years ago this month and have been lucky enough to work at a small liberal arts college, a major university and this superior secondary school. To me, history has been so very much more than a mere job, it has truly been my life, always driving my travel, guiding all of my reading and even dictating my television and movie viewing. Rarely have I engaged in any of these activities without an eye to my classroom and what I might employ in a lesson, a lecture or a presentation. With regard to my profession, I have truly attempted to live John Dewey’s famous quotation (now likely cliché with me, I’ve used it so very often) that “Education is not preparation for life, education is life itself.” This type of total immersion is what I have always referred to as teaching “heavy,” working hard, spending time, researching, attending to details and never feeling satisfied that I knew enough on any topic. I now find that this approach to my profession is not only devalued, but denigrated and perhaps, in some quarters despised. STEM rules the day and “data driven” education seeks only conformity, standardization, testing and a zombie-like adherence to the shallow and generic Common Core, along with a lockstep of oversimplified so-called Essential Learnings. Creativity, academic freedom, teacher autonomy, experimentation and innovation are being stifled in a misguided effort to fix what is not broken in our system of public education and particularly not at Westhill.

A long train of failures has brought us to this unfortunate pass. In their pursuit of Federal tax dollars, our legislators have failed us by selling children out to private industries such as Pearson Education. The New York State United Teachers union has let down its membership by failing to mount a much more effective and vigorous campaign against this same costly and dangerous debacle. Finally, it is with sad reluctance that I say our  own administration has been both uncommunicative and unresponsive to the concerns and needs of our staff and students by establishing testing and evaluation systems that are Byzantine at best and at worst, draconian. This situation has been exacerbated by other actions of the administration, in either refusing to call open forum meetings to discuss these pressing issues, or by so constraining the time limits of such meetings that little more than a conveying of information could take place. This lack of leadership at every level has only served to produce confusion, a loss of confidence and a dramatic and rapid decaying of morale. The repercussions of these ill-conceived policies will be telling and shall resound to the detriment of education for years to come. The analogy that this process is like building the airplane while we are flying would strike terror in the heart of anyone should it be applied to an actual airplane flight, a medical procedure, or even a home repair. Why should it be acceptable in our careers and in the education of our children?


My profession is being demeaned by a pervasive atmosphere of distrust, dictating that teachers cannot be permitted to develop and administer their own quizzes and tests (now titled as generic “assessments”) or grade their own students’ examinations. The development of plans, choice of lessons and the materials to be employed are increasingly expected to be common to all teachers in a given subject. This approach not only strangles creativity, it smothers the development of critical thinking in our students and assumes a one-size-fits-all mentality more appropriate to the assembly line than to the classroom. Teacher planning time has also now been so greatly eroded by a constant need to “prove up” our worth to the tyranny of APPR (through the submission of plans, materials and “artifacts” from our teaching) that there is little time for us to carefully critique student work, engage in informal intellectual discussions with our students and colleagues, or conduct research and seek personal improvement through independent study. We have become increasingly evaluation and not knowledge driven. Process has become our most important product, to twist a phrase from corporate America, which seems doubly appropriate to this case.

After writing all of this I realize that I am not leaving my profession, in truth, it has left me. It no longer exists. I feel as though I have played some game halfway through its fourth quarter, a timeout has been called, my teammates’ hands have all been tied, the goal posts moved, all previously scored points and honors expunged and all of the rules altered.

For the last decade or so, I have had two signs hanging above the blackboard at the front of my classroom, they read, “Words Matter” and “Ideas Matter”. While I still believe these simple statements to be true, I don’t feel that those currently driving public education have any inkling of what they mean.

Sincerely and with regret,

Gerald J. Conti
Social Studies Department Leader
Cc: Doreen Bronchetti, Lee Roscoe

 

publicado por Ricardo Antunes às 15:40

06
Abr 13

E se, de repente, num local improvável, por trás de uma mesa de mistura, microfones e rolos de fita isoladora, na penumbra, descobríssemos um dos impulsionadores de uma recolha fantástica? Os Cinco, Noddy, Tom Sawyer, Os pequenos vagabundos, e tantos mais... Pois ontem, foi assim. Já conhecia o Paulo e não fazia ideia de que este trabalho todo era dele. Na verdade, analisando bem, ele tem os ingredientes certos: gosta de estar na sombra, mas é o garante do sucesso de muitos eventos.

 

O Paulo Ferreira, grande técnico de som e imagem, que tem acompanhado muitas das apresentações da Areal Editores, criou de raiz, e alimenta, este magnífico espólio:

Site MISTÉRIO JUVENIL: Este website foi criado para apoiar os entusiastas das histórias de Enid Blyton, Robert Arthur e preservar as recordações da nossa infância. Não tem fins comerciais. ®Mistério Juvenil é membro da Enid Blyton Society. ®Mistério Juvenil e logo são marca registada de Paulo Ferreira

 

O projeto também está no Facebook.

 

Além disto, tem um fantástico canal no YOUTUBE em que podem encontrar alguns tesouros da nossa TV e reavivar memórias.

 

Por fim, e não menos importante do que qualquer das alternativas anteriores, o Paulo criou ainda uma Base de Dados de literatura infanto-juvenil que já será das mais completas do país. Consultem e comprovem. A Juvenilbase é uma ferramenta integrada no projeto Mistério Juvenil, é um portal de utilização gratuita e sem fins comerciais. Tem como objetivo reunir num só espaço toda a informação bibliográfica relacionada com a literatura juvenil, banda desenhada,  cadernetas de cromos e publicações que tenham como tema a infância e juventude editadas em Portugal e em português até aos nossos dias e ex-colónias até 1974. Pretende também proporcionar aos visitantes informação acerca destas obras, incluindo, sempre que possível, imagens, vídeos, sons e outros registos. O Juvenilbase está disponível desde 4 de Agosto de 2008, continua em fase de inserção e atualização de dados.

Boa Paulo! Continuaremos a encontrar-nos por aí.

publicado por Ricardo Antunes às 10:16

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